Case: O vazamento de gás – uma análise do comportamento do consumidor frente à escolha de um fornecedor de serviços
*Case desenvolvido pelo professor Rodrigo Siqueira – ESPM-RJ
O vazamento de gás
Era mais um final de mês para a família Souza com diversas contas a pagar. Tudo estaria normal se não fosse pela conta de gás. Quando Márcia, 42, casada com Paulo, 50, sem filhos, observaram a conta do mês de agosto (os valores estão listados a seguir). Assustados com o aumento expressivo dos valores, ligaram e questionaram a concessionária sobre tais contas. Ao receber em sua residência um representante da empresa fornecedora de gás, foram informados do vazamento de sua tubulação e do imediato fechamento do gás, devido ao risco de intoxicação e até de acidentes. Foram orientados a trocar a tubulação e buscar uma empresa privada que o faça para só então o fornecimento de gás ser liberado novamente. Assim, começaram a buscar prováveis soluções para o problema.
Os potenciais fornecedores
O problema de vazamento de gás pode ser solucionado basicamente de duas maneiras: troca-se a tubulação ou aplica-se resina na tubulação existente. Este último método é mais barato, mas nem toda tubulação suporta a aplicação podendo rompê-la. Em geral tem garantia de 1 ano. Este método foi descartado pelo casal que preferiu trocar a tubulação inteira. Assim, pesquisaram com amigos, vizinhos e meios de comunicação empresas que fariam tal serviço de troca da tubulação. Chegou-se ao final com três fornecedores:
Meses
Janeiro R$ 77,12; Fevereiro R$ 80,15; Março R$ 68,34; Abril R$ 81,20; Maio R$ 82,45; Junho R$ 85,60; Julho R$ 84,40; Agosto R$ 138,74; Setembro R$ 191,47; Outubro R$ 212,80.
FORNECEDOR 1
Indicado pelo porteiro do prédio, o Sr. Waldir trabalha há anos com consertos de tubulação de gás, vazamento de água e problemas residenciais em geral. Foi contatado por telefone e marcou sua visita para o dia seguinte. Chegou em seu muito bem conservado Gol de 1988 acompanhado do filho, que estaria aprendendo com ele, segundo suas palavras, os “segredos” da profissão. Olhou o lacre da concessionária de gás com cuidado, andou pelo local olhando o provável caminho da tubulação e informou que o serviço custaria 1.800 reais e seria executado em um prazo de 2 dias. Entregou um orçamento em uma folha de papel na qual ele havia escrito o custo do serviço e seu telefone de contato. Após perguntar se havia alguma dúvida quanto ao orçamento, de maneira cordial, despediu-se.
FORNECEDOR 2
Uma firma de manutenção e reparos de tubulação de gás – foi achado nas páginas amarelas. Após contato telefônico, um representante da empresa visitou o local também no dia seguinte. Chegaram em uma minivan
com a logo da empresa. Dois funcionários, devidamente uniformizados, analisaram o local, preencheram algumas informações na ficha que traziam e após alguns minutos deram o orçamento: 3.500 reais pela troca da tubulação em 4 dias e um ano de garantia.
FORNECEDOR 3
O fornecedor 3 foi encontrado devido a uma propaganda outdoor existente no bairro. Após contato telefônico, um técnico da empresa agendou uma visita ao local em dois dias no período da manhã. No segundo dia, não havia comparecido à visita até as 15 horas, deixando o casal aflito. O casal decide ligar para a empresa e foram informados de que o técnico estava em outro cliente e que até as 17 horas iria passar no local. O técnico chega às 17h20min no local, desculpando-se pelo atraso. Uniformizado, o écnico analisa o local, vê o relógio do gás, faz anotações em sua ficha e informa o orçamento: 3.000 reais, garantia de 1 ano. Prazo de execução: 3 dias.
As dúvidas
O casal, pressionado pelas contas adicionais, pelo tempo sem uso do gás e pela necessidade de acertar na escolha, começou a analisar as opções levando em consideração todos os fatores descritos acima. Márcia e Paulo se questionavam a todo momento sobre os prós e contras de cada opção, e tudo que eles queriam era poder testar o serviço antes da compra, mas infelizmente não era possível… Revisão conceitual: características específicas do processo de compra de serviços.
O processo de decisão de compra
A investigação do comportamento dos mercados consumidores é uma das áreas mais complexas, dinâmicas e interessantes da disciplina de marketing (Solomon, 1999). Para tentar simplificar o entendimento do que ocorre na consciência do comprador entre a percepção dos estímulos mercadológicos e sua decisão de compra, propõe-se um modelo de comportamento do consumidor que divide em cinco etapas o processo de escolha e de compra (Kotler, 2000):
(1) reconhecimento do problema;
(2) busca de informações;
(3) avaliação de alternativas;
(4) decisão;
(5) comportamento pós-compra.
Inicialmente há o reconhecimento de que há alguma necessidade não atendida, algum desejo despertado ou mesmo algum problema a ser solucionado. Esse reconhecimento pode ser dar por fontes internas como, por exemplo, a consumidora se olhando no espelho e percebendo cabelos ressecados, ou mesmo por fontes externas, como influência de amigos, conhecidos e campanhas publicitárias. Para reduzir medos e ansiedades, os compradores buscam ativamente por fontes de informação capazes de diminuir suas chances de praticar uma compra considerada equivocada posteriormente.
A forma pela qual esta informação será adquirida e avaliada dependerá do conjunto de escolhas com que o comprador de depara (Dholakia, 1997). O esforço empreendido na busca de informações e na fase de avaliação de alternativas vai ser maior na medida em que o envolvimento do consumidor com a compra for maior. Dessa maneira, quanto maior for o envolvimento situacional do consumidor em relação a algum produto, maior tende a ser sua busca de informações e consequentemente seu conhecimento objetivo sobre determinada categoria. Tal envolvimento tende a desaparecer na medida em que a compra foi realizada, cessando portanto a busca de informações e as avaliações entre alternativas. Convém destacar que o envolvimento depende fundamentalmente do consumidor, podendo o mesmo tipo de produto ser uma compra de baixo envolvimento situacional para determinado consumidor e alto para outro (Schiffman e Kanuk, 1997).
Há, entretanto, um grupo de consumidores que independentemente de estar engajado em um processo de compra ou não, estão permanentemente avaliando alternativas, estudando sobre a categoria de produtos e obtendo, portanto, um conhecimento objetivo mais profundo e duradouro. Esse envolvimento permanente os habilita a serem reconhecidos como líderes de opinião sobre a categoria em questão. Em geral, são atingidos primeiro pelas inovações, têm hábitos de mídia especializada, analisam mais profundamente e racionalmente as escolhas e possuem um conjunto de atributos mais sofisticado e amplo para decidir. Mais ainda, possuem maior capacidade de avaliar tais atributos devido ao maior conhecimento adquirido.
Risco Percebido – dimensões e especificidade dos serviços
Um processo de escolha pressupõe alguns custos, tais como o tempo e esforço mental de buscar as informações e de ponderar sobre as opções disponíveis, assim como os benefícios esperados, num processo avaliativo que irá se traduzir na satisfação pela escolha da melhor alternativa. A noção do risco está associada, portanto, com a possibilidade de a escolha trazer mais custos que benefícios (Solomon, 1999). Pesquisadores em comportamento do consumidor consideram que, de uma maneira ampla, o risco percebido pode ser subdividido em seis grandes modalidades (Foxall, Goldsmith e Brown, 1998; Hawkins, Best e Coney, 2001; Solomon, 1999): (1) financeiro; (2) social; (3) psicológico; (4) funcional; (5) físico; e (6) temporal.
O risco financeiro, por exemplo, afetaria mais os consumidores de baixa renda, mas envolveria igualmente decisões de compra relativas aos produtos com alto valor, que requerem um gasto substancial. A definição do risco financeiro consiste na percepção de que a compra pode ser relacionada a uma perda de bens materiais ou de dinheiro com o mau desempenho do produto, ou para trocá-la por outro produto mais satisfatório (Solomon, 1999). A segunda modalidade de risco, o social, envolve a forma pela qual o consumidor pensa que outras pessoas o julgam em vista da marca dos produtos utilizados.
O risco psicológico, a terceira categoria, está relacionado com a falta de congruência entre o produto e a autoimagem do consumidor. A quarta forma de risco, chamada de risco físico, está associada ao vigor físico, à saúde e à vitalidade do comprador: alguns produtos ou serviços são perigosos para a saúde ou para a segurança. O risco de performance – ou risco funcional – consiste na percepção de formas indesejáveis de utilização ou funcionamento. O risco temporal, por sua vez, está relacionado ao tempo cronológico envolvido no processo de compra, a perda de tempo até a decisão e suas consequências em função dessa demora (Solomon, 1999). Adicionalmente, alguns autores relacionam à obsolescência rápida do produto frente à evolução tecnológica (Foxall, Goldsmith e Brown, 1998).
Em serviços pode-se incrementar a conceituação acima abordando o conceito de risco do co-produtor: o cliente muitas vezes participa do processo de produção do serviço, ao contrário da produção de bens. Como exemplo, pense em uma consultoria. O papel do consultor assim como do cliente será vital para um bom andamento do processo e para o resultado final da consultoria (Bateson e Hoffman, 2003).
Atributos de análise, de experiência e de credibilidade
Os serviços, devido às suas características de intangibilidade, geram um grande nível de incerteza nos consumidores que, como mostram Zeithaml e Bitner (1996), procuram pelas evidências da qualidade do serviço em cada interação que eles têm com a organização mesmo antes da experiência com o serviço, em seu esforço pré-compra. Também por sua natureza intangível, os serviços agregam a característica de simultaneidade, sendo produzidos, distribuídos e consumidos ao mesmo tempo, e os prestadores do serviço tornam-se parte do próprio serviço. O encontro surgido dos funcionários com os clientes é uma parte essencial do próprio serviço, e esta interação será parte indissociável do julgamento de satisfação que o cliente fará da oferta da empresa (Bateson e Hoffman, 2003).
(1) Risco financeiro: o produto/serviço vale quanto custa?
(2) Risco social: esse produto/serviço vai me gerar algum constrangimento social?
(3) Risco psicológico: esse produto/serviço tem relação com a imagem que tenho de mim mesmo? Poderá prejudicar minha estima e autoimagem?
(4) Risco físico: esse produto/serviço pode causar dano a minha saúde ou de outros?
(5) Risco funcional: o produto/serviço terá o desempenho esperado?
(6) Risco temporal: Será que terei em breve que passar pelo esforço de compra
novamente?
Bateson e Hoffman (2003) esclarecem que devido às características diferenciadoras de serviços os clientes possuem uma natural dificuldade em julgar o serviço antes de sua realização. Este raciocínio é pertinente visto que devido a intangibilidade e simultaneidade, os serviços não podem ser provados ou experimentados antes da compra em si. Diferente de produtos, o teste do serviço não é possível uma vez que ele ainda não está lá verdadeiramente (Zeithaml e Bitner, 1996). Assim, os consumidores procuram em seu esforço pré-compra qualquer evidência da provável qualidade que o serviço terá uma vez contratado.
Os bens são ricos em atributos que permitem sua avaliação antes mesmo de sua compra. Serviços não funcionam dessa maneira. Os atributos de busca, atributos que podem ser avaliados antes da compra – como preço, instalações e aparência de funcionários – servem como redutores (ou intensificadores) do risco percebido nas decisões de compra. Como os serviços são essencialmente intangíveis, poucos atributos de análise são encontrados. Já os atributos de experiência, aqueles que só podem ser analisados durante ou depois da produção – tais como a segurança de um cabeleireiro ao realizar um corte pela primeira vez – são mais presentes nos serviços. E por fim, existem os atributos de credibilidade, aqueles que não podem ser avaliados com segurança imediatamente após a prestação do serviço. Por exemplo, a qualidade do reparo de um defeito mecânico em um carro ou a execução de uma intervenção médica. Assim, constata-se que as características diferenciadoras dos serviços têm forte impacto no processo de decisão de serviços, especialmente em como o consumidor age para decidir entre uma escolha ou outra.
Atividade sugerida:
Escolha um fornecedor individualmente. Liste prós e contras. Depois, em grupo, chegue a um consenso com ele sobre qual fornecedor contratar.
RESPOSTA
FORNECEDOR 1
Prós: 1 – Experiência (trabalha a anos com consertos de tubulação de gás e problemas residenciais em geral); 2 – Visita rápida (contato D+1).
Contras: 1 – Falta de profissionalismo (veículo de trabalho e orçamento inadequado)
FORNECEDOR 2
Prós: 1 – Firma Especializada; 2 – Visita rápida (contato D+1); Profissionalismo (contatos nas páginas amarelas, veículo de trabalho adequado, utilização de uniformes e ficha de análise); 3 – Garantia de um ano.
Contras: 1 – Prazo e preço maiores que o Fornecedor 1 (4 dias, R$ 3.500,00)
FORNECEDOR 3
Prós: 1 – Propaganda em outdoor; 2 – Uso de uniforme e ficha adequada; 3 – Garantia de um ano.
Contras: 1 – Visita mais demorada que os fornecedores anteriores e ainda com turno definido (D+2 matutino); 2 – Falta de preocupação com o cliente (atraso na visita sem aviso prévio); 3 – Prazo e preço superior ao Fornecedor 1 e inferior ao Fornecedor 2 (3 dias, R$ 3.000,00).
FORNECEDOR A CONTRATAR
Decisão: A melhor opção é o fornecedor 3, devido apresentar certo grau de profissionalismo, garantia de um ano e ter um preço e prazo menores que o fornecedor 2.